A noite caíra e ninguém conseguia explicar porquê o sol insistia em brilhar; Alice, da janela observava o céu. Seus poemas inundavam a avenida em que morava. Alice escrevia e atirava os poemas pela janela.
Para ela a vida não fazia mais sentido, despertava-lhe total intolerância, como se tudo o que havia servisse-lhe de estorvo. Não amava mais as pessoas, não sonhava com coisas bonitas, não conseguia ser simpática com ninguém, não desejava ser. Apenas vivia cada dia de sua vida como se fosse o ultimo, como se sua existência estivesse fadada ao fim instantâneo. Estranho que isso não tenha então acontecido. Alice sorria, tentando esconder nas bordas de cada sorriso a tristeza que sufocava seu pequeno coração. Escrevia. Era o que somente sabia fazer: poemas, versos sobre amor e tristeza, sobre solidão.
Naquela mesma tarde Alice se atirou da janela junto dos poemas que tanto confidenciaram-lhe a revolta.
Alice chorou ao despedir-se dos pais, irmãos e namorado. Procurava não pensar na reação de todos, apenas deixava-se levar pelas circunstâncias. Se havia algo de errado com ela, ninguém soube explicar; sabe-se apenas que sua morte consiste não somente no fato de morrer, mas que fica na memória de todos como uma brutal fatalidade.
Deixou uma cartinha singela, despedindo-se de todos. A carta dizia que sentiria saudades e que, não importa o que acontecesse, estaria sempre perto. Se Alice cumpriu tal promessa jamais souberam, sabe-se apenas que faz muita falta e, que todos os anos, ao aproximar o natal, percebe-se sua falta, e sua presença é finalmente lembrada. Irmãos choram a ausência que Alice deixou como presente; os pais jamais se perdoaram por não tê-la consolado; o namorado ficou traumatizado e jamais se casou.
O certo é que, como pássaro, Alice arriscou um vôo. Seus poemas ainda vagam pela avenida, inertes, ao chão. Poucos transeuntes os lêem. Alice se foi... Alice atingiu os céus nas asas de um sonho. Se voltou como prometera, não soube jamais alguém. O certo é que sua imagem nunca terá fim, suas roupas não desapareceram do armário, seus móveis não deixaram o quarto, nem mesmo as cortinas abandonaram a janela que dá para a avenida sob o sol que aparenta tardar a se pôr. Alice, menina de sorriso cintilante, nos deixou a dois verões, mas Papai Noel nenhum pôde traze-la de volta.
Mauricio Novais
2008-01-17
O natal de Alice
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